quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

SEM MEDO DO SILÊNCIO


Quem procura no sagrado momento da santa Missa dominical uma ocasião para um diálogo mais íntimo com Deus deve ter uma longa e triste história para contar, na guerra travada para encontrar os necessários momentos de silêncio.

Aquele que deseja ardentemente tais momentos há que acordar bem cedo e recorrer às primeiras missas, celebradas às seis ou sete da manhã, não mais que isso. Passou das oito, o fiel está quase sempre obrigado a passar a hora dedicada à santa missa sem nenhuma folga para os ouvidos: as músicas, comentários lidos no púlpito, avisos etc, ocupam tudo, não deixam nada livre.

O uso abusivo do canto na missa tem se tornado um problema tão grave em nossas paróquias, que aquilo que deveria ser um serviço à beleza da liturgia acaba ofuscando-a e dificultando a compreensão do seu significado. Tocam-se na entrada, no ato penitencial, no Glória, no salmo responsorial, na aclamação ao Evangelho, no ofertório, durante e depois da consagração, no abraço da paz, no Pai-nosso, na oração do Cordeiro de Deus, na comunhão e depois dela, na saída... Não há um só mísero minuto em que o silêncio não tenha sido minuciosamente combatido e substituído por ... música.

O missal assim estabelece, no que concerne ao silêncio:

"Oportunamente, como parte da celebração deve-se observar o silêncio sagrado. A sua natureza depende do momento em que ocorre em cada celebração. Assim, no ato penitencial e após o convite à oração, cada fiel se recolhe; após uma leitura ou a homilia, meditam brevemente o que ouviram; após a comunhão, enfim, louvam e rezam a Deus no íntimo do coração.
Convém que já antes da própria celebração se conserve o silêncio na igreja, na sacristia, na secretaria e mesmo nos lugares mais próximos, para que todos se disponham devota e devidamente para realizarem os sagrados mistérios." 
A instrução Redemptionis Sacramentum reconhece à comunidade o direito a uma celebração dominical com "música sacra adequada e idônea, de acordo com costume". Mas quando se tem um mau costume, como fazer? Como devemos proceder? O caminho passa, como sempre, pela caridade e esta envolve necessariamente colocar-se no lugar do outro, ver com os olhos do próximo.

É plausível imaginar que muitos dos que "animam" nossas missas dominicais o fazem com as melhores das intenções. Entendem que a boa música é aquela que faça surgir "aquele climinha", que faça as pessoas se emocionarem, etc. É óbvio que há uma série de equívocos aqui: desde a confusão entre fé e sentimento, até --algo mais grave-- achar que a ação de Jesus no fiel presente à missa depende do "clima", do esforço dos músicos em emocionar a comunidade.

O primeiro passo a ser dado na reconquista do silêncio é garantir duas trincheiras nesse combate contra o barulho: na consagração e depois da comunhão.

Tocar ou cantar músicas durante a oração eucarística e sobretudo na consagração é um abuso litúrgico: "Enquanto o Sacerdote celebrante pronuncia a Oração Eucarística, «não se realizarão outras orações ou cantos e estarão em silêncio o órgão e os outros instrumentos musicais», salvo as aclamações do povo, como rito aprovado" (Redemptionis Sacramentum). É fácil pedir ao padre ou sugerir ao músico deixar de tocar durante a consagração em respeito ao mistério maior de nossa fé.

Também depois da comunhão, podemos invocar o sagrado direito à oração individual, silenciosa e íntima com Jesus. Podemos pedir aos músicos que nos concedam breves minutos de silêncio, para podermos aproveitar esse momento tão especial. Esse pedido pode ser feito pelo padre ou mesmo pelo leigo responsável pela leitura dos comentários.

Um segundo passo poderia ser a preparação adequada dos músicos, a conscientização da sacralidade do canto e da música na liturgia. Se fossem de fato preparados, formados, não teríamos o desprazer de ouvir inclusive músicas com conteúdo profano e contrário à fé tocadas no mais santo lugar da Igreja.

Vencidas essas duras batalhas, poderíamos estender a atenção a todos os presentes, lembrando-os da necessidade de guardar o silêncio e o recato na casa de Deus, a necessidade de colocar-se diante de Deus, para assistir à missa de forma condigna e proveitosa.

No excelente Screwtape letters, Lewis põe na boca do diabo um elogio ao barulho. E isso é sumamente verdadeiro. O Deus que se mostra ao homem por meio de uma brisa suave, como lemos no Antigo Testamento, não pode ser facilmente encontrado em meio ao barulho ensurdecedor do mundo.

Na verdade, tememos o silêncio porque tememos encontrar Deus face a face e tememos mais ainda depararmo-nos com os nossos próprios abismos. O silêncio é revelador e embaraçoso para uma alma descuidada. O medo do silêncio pode ser um sinal claro de que não nos sentimos muito seguros de como estamos diante de Deus. Nisso, o barulho evita esse encontro, diminui os riscos desse embaraço, mas priva-nos do face a face que pode nos mudar verdadeiramente. Não podemos temer o silêncio.

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